Intoxicações
crônicas que, em longo prazo, resultam em câncer, descontrole da tireoide, do
sistema neurológico em geral, surdez, diminuição da acuidade visual e até mesmo
Mal de Parkinson são possíveis problemas de saúde causados pelos agrotóxicos.
De acordo com o médico sanitarista Wanderlei Pignati, quem trabalha com saúde
pública não deixa de se perguntar onde foram parar os conteúdos dos temíveis
frascos de agrotóxicos.
Produtos banidos pela União
Europeia continuam a ser usados no Brasil, país do mundo que mais emprega
pesticidas em suas lavouras. Por que razão isso continua a ser permitido,
questiona. Onde está o comprometimento com o ambiente, como um todo? A situação
é tão grave que, além de serem encontradas nos alimentos, na água, no solo, no
ar, essas substâncias foram detectadas, inclusive, no leite materno.
Conforme Pignati, na
entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line, "vários tipos de agrotóxicos
se depositam na gordura e muitos deles, como os clorados, nunca mais saem dela.
É o caso do endosulfan. Quando a mulher produz o leite para amamentar seu
filho, esse líquido terá agrotóxico em sua composição. Isso porque o leite é
composto por
Como se isso não fosse
assustador o bastante, o médico é categórico ao afirmar que é impossível um uso
totalmente seguro dos agrotóxicos. Mesmo que sejam usados equipamentos de
proteção individual pelos trabalhadores que fazem as aplicações nas lavouras,
"esses produtos penetram pela mucosa de pele, do olho, da orelha das pessoas, e
inclusive pela respiração".
Wanderlei Pignati é graduado
pela Universidade de Brasília - UnB, especialista
Confira a entrevista:
IHU On-Line - Quais são as principais consequências
do uso de agrotóxicos para as águas, no caso, os rios e suas nascentes, bacias
e os lençóis d'água?
Wanderlei Pignati - A água é um dos componentes ambientais para onde os resíduos de
agrotóxicos vão. Com o uso intensivo de agrotóxicos na agricultura brasileira
isso vem se agravando. No ano passado, foram usados cerca de um bilhão de
litros de agrotóxicos em nosso país, do tipo que se compra
O grande problema, na
verdade, não são as embalagens vazias de agrotóxicos. Claro que o ideal é que
elas sejam recolhidas, pois em sua maioria são feitas de plástico. Mas quem se
preocupa com a saúde pública e ambiente como um todo se pergunta onde foi parar
o que estava dentro desses frascos. Esses produtos vão parar nesses componentes
ambientais, inclusive nos alimentos. Resíduos de agrotóxicos podem ser
encontrados não só na água, mas nos alimentos, na chuva, ar, solo. Quando falo
de resíduos de agrotóxicos nos alimentos, refiro-me inclusive ao leite materno.
Fizemos uma pesquisa e
constatamos a presença de agrotóxicos no leite materno de mulheres
matogrossenses. Na cidade de Lucas do Rio Verde, interior do Mato Grosso, é
usada larga quantidade de agrotóxicos nas culturas da soja, milho e algodão.
Isso se reflete nos alimentos produzidos e, inclusive, no leite materno. Vários
tipos de agrotóxicos se depositam na gordura e muitos, como os clorados, nunca
mais saem dela. É o caso do endosulfan. Quando a mulher produz o leite para
amamentar seu filho, esse líquido terá agrotóxico em sua composição. Isso
porque o leite é composto por
IHU On-Line - Quais as principais sequelas para a
saúde humana provocadas pelos agrotóxicos?
Wanderlei Pignati - Essa discussão é bastante ampla. Primeiramente, falo sobre as
intoxicações agudas por agrotóxicos, que têm aumentado muito no Brasil. Dessas
intoxicações, salvamos 99% das pessoas intoxicadas. Exceções ocorrem em casos
de que tenha sido ingerida uma quantidade muito grande de produtos tóxicos,
como em caso de tentativas de suicídio ou envenenamento proposital de
terceiros. Também há os casos extremos em que uma pessoa que aplicou ou
preparou os agrotóxicos não fez o uso dos Equipamentos de Proteção Individual -
EPIs, intoxicando-se fatalmente.
Mas o grande problema são as
intoxicações crônicas, cuja exposição ocorre a baixas doses durante meses e
anos. Após um período mais longo de tempo, podem surgir problemas como câncer,
descontrole da tireoide e do sistema neurológico, além de diabetes.
Especula-se, ainda, que uma das causas do Mal de Parkinson esteja associada ao
efeito cumulativo de agrotóxicos. Surdez, diminuição da acuidade visual e
outros distúrbios neurológicos também são frequentes. Quando uma mulher está em
seus primeiros três meses de gestação e entra em contato com agrotóxicos, pode
ocorrer má formação fetal. Portanto, são várias as consequências para a saúde causadas
por esses produtos, desde intoxicações agudas até aquelas de caráter crônico.
Saliento que os problemas dependem igualmente do tipo de agrotóxico utilizado.
IHU On-Line - Qual é a especificidade do caso de
Lucas do Rio Verde em relação ao uso de agrotóxicos?
Wanderlei Pignati - Não sei se o Mato Grosso é o estado mais crítico do Brasil em termos
de uso de agrotóxicos. Dos quase um bilhão de litros desses produtos usados no
ano passado no Brasil, o Mato Grosso é o maior consumidor porque é o maior produtor
de soja, milho e gado. É preciso lembrar de que, inclusive nas pastagens para o
gado, são usados agrotóxicos. Nesse estado se cultiva 50% do algodão
brasileiro, produto que utiliza mais agrotóxicos por hectare. O uso intensivo,
em média, no Brasil, é de dez litros de agrotóxicos por hectare de soja
plantado. Isso abrange fungicidas, herbicidas, inseticidas e dissecante para
secar a soja para a colheita. O milho usa em torno de
IHU On-Line - Quais os riscos de contaminação por
agrotóxicos na água que bebemos?
Wanderlei Pignati - Se você tem um grande consumo do princípio ativo glifosato na região,
que é o agrotóxico mais consumido no Brasil, você irá encontrá-lo na água. Há
os clorados, que são mais "persistentes" em se desfazerem, como o endosulfan,
que ainda não foi banido. A previsão é que isso aconteça somente em julho de
2013. Há, ainda, a atrazina, um herbicida bastante persistente e liberado para
uso nas lavouras. Ambos aparecerão na água. É preciso lembrar também dos
fungicidas que, se forem usados para combater a ferrugem da soja, irão ser
encontrados na água da forma mesma que os outros.
Há, contudo, uma legislação
dos agrotóxicos que delimita máximo de contaminação permitida na água. Na
verdade, isso nem deveria acontecer. É um absurdo! Como é que se pode permitir
algum tipo de agrotóxico na água? Temos que fazer uma análise dos agrotóxicos
mais consumidos na região para vermos qual é o tipo de contaminação que vamos
supor. Tudo depende da solubilidade do agrotóxico, da sua persistência, se foi
usado perto de rios ou córregos, se o lençol freático é profundo ou
superficial. Na maioria das vezes há a contaminação desses componentes
ambientais em suas mais variadas formas.
O mesmo pode-se dizer dos
alimentos que irão conter esses produtos. Todos os tipos de agrotóxicos usados
nos alimentos serão posteriormente encontrados neles. A isso chamamos de
resíduos nos alimentos. Eles podem ser encontrados no tomate, pimentão,
abobrinha, arroz, soja ou milho.
IHU On-Line - Como poderia se constituir um movimento
social de vigilância sanitária e ambiental que envolvesse não só entidades do
governo, mas a sociedade civil de forma organizada e participativa?
Wanderlei Pignati - A vigilância em torno dos agrotóxicos existe, de certa forma. Ela
limita inclusive o registro, a venda e aplicação dos produtos. A lei
regulamenta isso. A maioria dos estados tem suas leis próprias quanto a isso.
Contudo, grande parte dessas legislações não são cumpridas. Então, a primeira
questão é o cumprimento dessas leis, como no que diz respeito à pulverização
perto de rios, córregos, e a pulverização aérea, que nós, médicos sanitaristas,
lutamos para proibir. Mesmo assim, existe hoje uma legislação do Ministério da
Agricultura e Pecuária - MAPA, a Instrução Normativa n. 2, de 2008, que permite
pulverizar agrotóxicos de avião a, no mínimo,
Em segundo lugar, há toda
uma discussão a ser feita pela vigilância sanitária nacional e dos estados para
tentar proibir os agrotóxicos que já são banidos na União Europeia. Por que
estamos consumindo, ainda, o endosulfan, o metamidofós, o 2,4-D e paraquat?
Esses são os produtos mais consumidos no Mato Grosso.
São mais de 30 tipos de
agrotóxicos bastante consumidos no Brasil que são proibidos na União Europeia.
Alguns já têm legislação que irá proibi-los, como o endosulfan, que a partir de
julho de 2013 será tirado do mercado. O metamidofós sai de circulação a partir
de julho de 2012. Mas e os outros?
A Agência Nacional de
Vigilância Sanitária - Anvisa está fazendo a revisão de 14 tipos de
agrotóxicos, mas não consegue avançar porque os produtores dessas substâncias
entraram com uma ação na justiça. Um juiz federal concedeu liminar exigindo que
a Anvisa suspendesse a revisão. Veja o absurdo. O processo iniciado em 2008
ficou mais de um ano parado e foi retomado somente agora. Com toda a
dificuldade, a Anvisa vem insistindo no processo.
É preciso haver uma
consciência dos grandes produtores de que se está proibido lá fora, aqui deve
ocorrer o mesmo. Por que continuar a usar agrotóxicos dessa natureza? Por que é
mais barato? Ou por que é mais eficiente? Mas qual é o custo em termos de saúde
humana, animal e vegetal, do ambiente como um todo?
Precisamos pensar na saúde
da água, porque o nosso organismo é composto de 70% de água, e se aquela que
consumimos estiver contaminada com agrotóxicos, isso irá prejudicar nosso
corpo. Então, repito: é preciso respeitar a legislação e proibir no Brasil os
agrotóxicos que já são proibidos lá fora.
Também é preciso que a
população se conscientize e não consuma produtos que têm agrotóxicos no seu
desenvolvimento. Todos os anos o Ministério da Saúde coloca no Programa de
Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos e vê os resultados dos últimos
anos. Desde o ano 2000, dos vinte tipos de alimentos analisados, a maioria
contém agrotóxicos. Tem que haver uma divulgação mais ampla para a sociedade. A
vigilância sanitária só irá funciona se a população se conscientizar e
mobilizar para isso. Há uma campanha nacional contra o uso de agrotóxicos
lançada no I Simpósio Brasileiro de Saúde Ambiental, em Belém, em dezembro de
2010, com o apoio da Associação Brasileira de Saúde Coletiva - Abrasco. A
iniciativa chama-se Campanha permanente contra os agrotóxicos e pela vida. A
primeira audiência pública aconteceu dia 7 de abril, Dia Mundial da Saúde, no
Congresso Nacional.
IHU On-Line - Podemos falar em "uso seguro dos
agrotóxicos"?
Wanderlei Pignati - Não. Essa é outra discussão que precisa ser desmistificada. O uso
totalmente seguro dos agrotóxicos é impossível. Os agrotóxicos penetram pela
mucosa de pele, do olho, da orelha das pessoas, inclusive pela respiração. Se o
trabalhador que aplicar esse produto estiver vestido como um astronauta (porque
é assim que se parecem os EPIs criados para proteger os trabalhadores da
contaminação por esses produtos), ele quase não será atingido ou contaminado.
Isso porque a eficiência do filtro químico é de