Uma boa remuneração é o cerne para que o professor (e qualquer outro profissional) se sinta valorizado, mas a carreira dos sonhos vai muito além de apenas dinheiro no bolso. "Não é só o salário que importa, é a condição de trabalho. Muitos estudantes de Química, por exemplo, que em vez de virarem professores, preferem ir trabalhar em um banco por seis horas diárias", garante José Marcelino de Rezende Pinto, professor da USP de Ribeirão Preto.

"Se dependesse do salário para a nossa satisfação como profissional, nunca seríamos felizes", ressalta Eliane Yambanis, professora de História do Colégio Equipe, instituição particular em São Paulo, há 25 anos. E ela é, sim, muito feliz. "Já sou aposentada e não deixo a sala de aula. Fui completamente capturada pelo prazer de ensinar e não consigo me distanciar disso."

Parte do motivo pelo qual Eliane se sente valorizada tem a ver com a autonomia que a gestão lhe dá para lecionar: "Há uma horizontalidade nas relações com os gestores. Posso criticar e ouvir críticas. Construímos juntos a escola. Além disso, dentro da sala de aula sou a autoridade absoluta."

Luciana Fevorini, diretora do Equipe, acredita que o professor se sente valorizado quando é autor do seu próprio trabalho. É ele quem tem de planejar suas aulas, escolher as melhores estratégias, mas há atitudes do gestor que podem contribuir, como dar apoio a ideias que extrapolem a rotina e também propor que o professor pense em projetos cada vez mais desafiadores (leia quadro mais abaixo). "Se a escola diz muito sobre o que ele precisa fazer, ele se sente só uma simples peça de máquina", diz a gestora.

Foi um projeto autoral que fez Emmanuel Roberto de Oliveira, professor de Literatura do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, se tornar coordenador da área de Códigos e Linguagens apenas um ano depois de ter sido contratado. "Eu criei o Festival de Literatura e Teatro no Liceu e a direção me apoiou tanto do ponto de vista pedagógico quanto do ponto de vista financeiro", garante Emmanuel. "Fora isso, se preciso participar de um congresso, por exemplo, eles não só me liberam como às vezes pagam até as passagens", diz.

Com medidas simples como essas, é possível garantir que a equipe permaneça motivada. Os problemas estruturais, que dependem de boa vontade política, não somem, mas o clima escolar pode melhorar - e muito.

O município valoriza o professor

Na rede municipal de Coronel Fabriciano, no interior de Minas Gerais, o plano de carreira, aprovado em 2014, prevê um pagamento acima do piso para os professores. Nessa rede mineira, a renda inicial do docente é R$ 2.828, podendo chegar a pouco mais de R$ 7.000, conforme o tempo de rede e outras graduações.

Foi esse um dos motivos que levou Débora Rose Tiene a cursar o magistério e prestar um concurso para se tornar professora da Educação Infantil na cidade. "Faço o planejamento dentro do meu horário de serviço, em um momento específico que tenho com a coordenação enquanto outro professor cuida dos meus alunos. Nunca levo trabalho para casa", conta ela.

Para o secretário Carlos Serra Negra, o que também faz a diferença na valorização dos professores é o Conselho Municipal de Educação da cidade, que é bastante atuante e tem uma conversa direta com a secretaria. "Pais, professores, lideranças do sindicato, representantes da sociedade civil e o Poder Público se reúnem mensalmente para discutir problemas e pensar em soluções para a Educação aqui da cidade", explica Carlos.

Miguel acredita que um espaço de escuta faz toda a diferença para que o docente se sinta valorizado: "As escolas e as redes precisam perguntar ao professor o que ele necessita para exercer a sua função, e não simplesmente deduzir."

Houve um tempo, em um passado não tão distante, que toda família brasileira de prestígio tinha um professor entre seus membros. "Para se ter um sobrenome respeitado era necessário um médico, um advogado, um padre e um professor na composição familiar", brinca Miguel Thompson, CEO do Instituto Singularidades.

Quando a Educação foi universalizada, entre os anos 1960 e 1970, o jogo virou na carreira docente. Construíram mais escolas do que formaram professores. Caiu a qualidade da qualificação para atender à urgência. O orçamento não deu conta de pagar aos novos docentes um bom salário. "Com isso, a visão da sociedade brasileira sobre o professor se deteriorou", resume Miguel. "Quando falamos que somos professores, as pessoas nos respeitam. Mas quando o assunto é a carreira do professor, somos desprestigiados", diz.

De fato, o cenário nem sempre é animador: muitas vezes o professor precisa trabalhar em até três turnos para conseguir um rendimento que lhe pague as contas, planeja aulas no tempo que lhe sobra em casa (e sem receber para isso), as salas são lotadas e, nos casos mais extremos, ele precisa conviver até com situações de violência. Mas nem sempre essa é a regra. Para que os professores se sintam motivados e valorizados é preciso que tanto as redes de ensino quanto os gestores das escolas se mobilizem.

Há quase dez anos, em julho de 2008, foi aprovada a Lei Federal nº 11.738, que estabelecia o Piso Nacional para os Profissionais do Magistério. Ela determinava que todos os professores deveriam receber um valor mínimo de salário, definido pelo governo federal todos os anos. Hoje, para trabalhar 40 horas semanais, o professor deveria receber, no mínimo, R$ 2.298. "Entregamos uma pesquisa para o Ministério da Educação (MEC) mostrando que em 14 estados brasileiros ainda não se paga o piso salarial dos professores", conta Gilmar Soares Ferreira, secretário de Assuntos Educacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Além disso, nem todas as redes criaram seus planos de carreira para os profissionais da Educação, outra exigência da lei. "É preciso que isso saia do papel. Um documento que permita ao docente saber como ele entra na rede e como estará quando se aposentar permitirá desenvolver um melhor trabalho e avançar na Educação", diz Gilmar.

(Portal Nova Escola, 28/04/2020)


Cuiabá, MT - 29/04/2020 15:36:52


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