O direito de se comunicar através de mídias massivas deve ser garantido a todos que desejam ou só a algumas pessoas? Em torno dessa questão é que diversos movimentos sociais articulam sua luta pela democratização dos meios de comunicação. Eles defendem que a liberdade de expressão e o direito de se comunicar utilizando os canais de mídia deva ser garantido a todos.
O grupo de radiodifusores
comunitários é um dos que pedem a ampliação do número de emissores midiáticos.
Atualmente, no Brasil, existem mais de nove mil rádios legalizadas. Deste
total, cerca de 3,9 mil são veículos comunitários. Segundo dados da Associação
Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), existem mais de 22 mil
processos abertos no Ministério das Comunicações, com pedidos de licença para
operar como rádios comunitárias. Apenas 16% destes processos foram atendidos.
Alguns aguardam a autorização há mais de 11 anos.
Para debater questões de
liberdade de expressão, direito à comunicação e o papel da radiodifusão
comunitária, a Radioagência NP entrevistou a jornalista chilena e presidenta
internacional da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AMARC), Maria Pía
Matta Cerna. Ela afirma que para a democracia avançar na sociedade, é preciso
construir um sistema democrático de comunicação.
Radioagência NP: Pía, o que significa a liberdade de
expressão para o movimento de rádios comunitárias?
Maria Pía Matta: Eu acho que nós temos que voltar ao conceito, no desenvolvimento do
conceito de liberdade de expressão e do direito à comunicação em uma questão de
direitos humanos, que tem sido a luta do movimento da mídia comunitária, das
rádios comunitárias há muitos anos. Nesses últimos dez anos, nós temos feito um
acúmulo teórico e político com relação a essa conceituação: de que a
comunicação é um direito humano e nesse sentido nós precisamos ter sistemas
democráticos de comunicação, que favoreçam os atores que ainda não estão na
comunicação, no sistema de comunicação, através de rádios, televisão ou outras
formas.
Radioagência NP: Quais são os principais problemas em
relação à liberdade de expressão em nível mundial?
MPM: Tem
dois graves problemas no mundo hoje. Um é a excessiva concentração da mídia em
cada vez menos mãos - a propriedade muito concentrada. Muitas comunidades não
conseguem ter concessões, não conseguem ter autorização para transmitir ou não
conseguem ter publicidade do Estado, porque tudo isso vai para as mãos desses
poucos donos que concentram a propriedade. E por outro lado, uma ameaça - mas
que poderia ser uma boa oportunidade - é a questão da convergência tecnológica,
que é uma oportunidade pra ter mais pessoas administrando mídia. É uma ameaça
porque o lobby da grande imprensa está acima dos governos. Se a gente tem hoje
500 frequências de rádio e televisão pela digitalização, eles [proprietários de
grandes mídias] ficaram com as 500 frequências.
Radioagência NP: Como deveria ser um sistema
democrático de comunicação em uma sociedade e sua legislação?
MPM: Se
nós no Brasil, ou em qualquer lugar do mundo, continuamos com a ideia de que
legislar está se falando sempre no conceito técnico e econômico, temos um
problema. Porque quando se fala em dinheiro, está falando sempre no privilégio
dos que têm dinheiro; e quando se fala em técnico, parece que a administração
do Estado só é para arrumar o tráfego de frequências de um lado para outro. E a
noção é muito mais complexa. Nos últimos dois anos a Unesco [Organização das
Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura ] falou na plenária pública
que uma questão importantíssima no avanço democrático é a necessidade de um
sistema democrático da mídia, que representa os atores fundamentais de uma
sociedade, que são: privados, públicos estatais - mas não governamentais - e
comunitários, associativos e terceiro setor. Acho que esses três grupos são uma
chave fundamental para fazer qualquer legislação.
Radioagência NP: Várias rádios comunitárias aqui no
Brasil sofrem perseguição e criminalização por parte da Polícia Federal e
outros órgãos do governo. Este quadro se repete em outros países?
MPM: O que
os governos fazem é aplicar direito penal em uma questão que é de liberdade de
expressão. Governos como o do Chile, por exemplo, faz a mesma coisa que o
Brasil, ou no caso do Paraguai ou na Guatemala. Quando um Estado não põe à
disposição dos cidadãos as concessões, para que as pessoas licitem essas
concessões, as pessoas tomam essas concessões, porque elas precisam comunicar,
e depois vão presas. Eu acho que é uma questão que nós temos que avançar em uma
conceituação de direitos humanos, novamente, para uso de rádio e televisão em
nossos países.
Radioagência NP: Como as rádios comunitárias podem
contribuir nos processos de organização e mobilização populares?
MPM: O direito
à comunicação é um processo que todo ser humano tem com o outro. Se você fica
na sua casa, detrás da televisão com o controle remoto, você está ficando por
fora dessa atuação, só está vendo o que está acontecendo com o mundo. Quando
você tem uma comunidade local ou de interesse, e essa comunidade tem um caminho
para trabalhar - na questão de agricultura, na economia solidária, para fazer
alguma mudança importante na escola -, ter uma rádio, leva a resultados de
participação e de convivência democrática que são muito diferentes. Porque aí
tem um processo da comunicação de quando você se sente parte de uma história,
parte de um processo. Eu acho que a rádio comunitária coloca em cena a questão
da construção de identidade e de pertencimento a uma determinada comunidade.